Quando soube da morte de Ruth Cardoso, confesso que me emocionei - os olhos ficaram levemente marejados. Conhecia vagamente a obra da ex-primeira-dama, mas somente a figura dela transmistia uma incrível serenidade, inteligência e bondade. Ao ler na internet vários obituários e depoimentos sobre a vida e obra de dona Ruth, a admiração por essa mulher foi ainda maior. Porém, ainda lendo as várias coberturas onlines do velório, um outro sentimento se apoderou: perplexidade.
Não por conta de nada relacionado à vida de Ruth Cardoso, mas aos vários comentários deixados por pessoas, que no adjetivo mais educado podem ser descritas como "tacanhas". Comentários como: "Já vai tarde", "FHC mereceu", "Dondoca", são alguns exemplos. Uma coisa posso dizer: não, ela não foi tarde; todos os brasileiros perderam com essa morte e sem sombra de dúvidas, o poder e o dinheiro nunca subiram à cabeça dela. Antes de ser mulher de um ex-presidente da República ou uma militante de partido, há um ser humano, que merece o devido respeito de todos, ainda mais um ser humano com a capacidade intelectual que tinha. Caso alguém se enquadre no rol dos tacanhos, acredito que a foto que abriu essa postagem é quase auto-explicativa - somente uma pessoa com tamanha personalidade conseguiria unir, nem que fôsse por alguns minutos, personagens antagônicos da política. Ao deixar a Sala São Paulo, local do velório, Lula disse à FHC: "Tudo o que você precisar de mim, peça, estou à disposição".
Ruth Côrrea Leite Cardoso, tinha uma vasta carreira como antropóloga, antes mesmo de ser conhecida como mulher do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Sempre preocupada com a inclusão social, a maturação cultural da população e atenta ao problema dos grandes índices de analfabestismo no país, ganhou maior notoriedade quando implantou na gestão de seu marido na presidência, o programa Comunidade Solidária, que durante sete anos, entre 1995 e 2002, alfabetizou 3 milhões de jovens. Entre outros feitos de seu programa, capacitou 114 mil jovens para o mercado de trabalho e incentivou outras tantas milhares de mulheres artesãs em cooperativas de trabalho. Foi uma das precursoras dos programas sociais do governo FHC, fazendo tudo isso, de maneira involuntária, pois tinha sim esse grande espírito público.
Com vasta experiência acadêmica, dona Ruth também publicou diversos títulos sobre juventude, violência e cidadania. Seus estudos, a levaram a lecionar em universidades como Cambridge, na Inglaterra, Berkeley e Columbia, nos Estados Unidos e também na Universidade do Chile. Aqui no Brasil, criou na USP o Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Socias de Gênero, referência no seu segmento. Todos esse trabalho, mostra a magnitude de uma mulher que frente as câmaras, era reservada e que via até com certa impaciência a invasão da imprensa à sua privacidade. Nos bastidores porém, suas opiniões eram sempre levadas em conta, não só pelo seu marido, mas por todo o partido pelo qual tomou causa, o PSDB.
Dona Ruth, na medida que pôde, trabalhou com todo afinco na área social do governo, sem abrir mão de suas convicções políticas, como ser contra às cotas aos negros em universidades. Era uma intelectual, mulher de um presidente, que não ficou deslumbrada com o poder. Pelo contrário, sua discrição era, e ainda é exemplo. Ela criou um estilo próprio do que é ser primeira-dama, um modelo, que será impossível copiar. Era uma primeira-dama, que ao contrário do habitual, não vivia a sombra do presidente da república.
Ideologias e partidos à parte, é inegável, estando em perfeito estado de consciência, a importância de uma figura como a dela. Como muitos disseram ao longo do dia de hoje, e faço coro à essas pessoas, jamais existiu primeira-dama que somasse tantas qualidades quanto dona Ruth.
Como mulher que foi, intelectual, política e acima de tudo, humana - fará falta.
4 comentários:
D. Ruth era um exemplo de mulher, cidadã no sentido mais amplo da palavra.
Descanse em paz!
Parabéns pelo blog, gostei muito !!
Também senti a perda da Dona Ruth. E fiquei muito triste lendo as frases dirigidas ao Fernando Henrique.
E essa foto? Senti um toque de falsidade naquele abraço. Mas temos de manter a pose, não é?
Abraço
Lucas,
eu também fiquei chateada quando soube da morte dela. As imagens do velório são muito tristes, principalmente aquelas que mostram o FHC...
Ela era um exemplo de mulher, fará falta aqui, com certeza.
Míriam Leitão também falou com perfeição sobre D. Ruth que de fato era uma mulher admirável!
Fará falta.
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